T:

Um romance sobre a tecnologia

T

Do passado remoto ao futuro distante um complexo sistema inteligente conhecido como T dominou o planeta.

Mantendo os rigores de uma lógica ancestral de evolução, projeto e programa, T se expandiu. Dividiu-se em circuitos orgânicos que, usando seres humanos como flexíveis ferramentas e eficientes armas, passaram a disputar acirradamente pelo controle dos jardins: restritos campos férteis ainda não destruídos por oceano, deserto, neve, radiação ou pragas.

Sendo as únicas fontes de recursos nutritivos – como valiosos oásis – os jardins começaram a definhar, vitimados por múltiplos conflitos. Dos planos microscópicos da informática genética e das bactérias artificiais, aos espaços macroscópicos dos indivíduos e suas relações ambientais, sociais e políticas.

Mas todo sistema será sempre um subsistema de algo maior… E uma nova ameaça aos herdeiros de T percorre faminta os céus irreconhecíveis do planeta.

Dois milênios no futuro…

Quem herdará a Terra?

 

T: um romance sobre a tecnologia, primeira obra do gênero publicada pelo selo editorial neolabore, é uma alegoria sobre a tecnologia e as relações de causa e efeito entre os usos e impactos sociais e ambientais por sua proliferação. Na narrativa, passada dois mil anos no futuro, diferentes grupos sociais disputam a hegemonia de reservas em uma filosofia de consumo sem o qual a extinção lhes é a única certeza. No entanto, reflexões realizadas, não agem por si, mas em respeito a algo maior e por vezes desconhecido, movidos por devoções lógicas ou patéticas e cientes de sua trajetória em ambientes profundamente hostis, seja na superfície do planeta, seja além.

Na medida em que o limites conceituais e definitórios entre o artificial e o natural se desintegram diante de nossos olhos milenares, T é uma possibilidade antecipatória, um prelúdio de uma nova racionalidade bioética na qual a vida e a morte não mais se antagonizam gravemente ou moralmente, mas se alternam em câmbios e processos que dependem dos métodos de seus protagonistas para repercutir em expansões ininterruptas e portanto, irreversíveis. Nesse sentido, como visto na obra e na nossa realidade compartilhada, Projeto (Design), na acepção mais profunda da palavra, cumpre em suas áreas de conhecimento e atuação uma autoridade inconstável. Somos resultado de pensamentos e ações irremediavelmente anteriores, querendo ou não. Então, o que dizer do futuro, do mais breve ao mais distante?

Pois em T, assim é a percepção e cognição sobre tecnologia: cega aos próprios propósitos, mas afiada conforme quem a empunha como faca, machado ou espada.


1-618

1-618

"Para entrar nos domínios de 1-618 era preciso ultrapassar, além do pórtico, um labirinto de corredores escavados na rocha ígnea por instrumentos de perfuração e corte, há milênios desaparecidos. De fora, o paredão parecia ter sido esburacado pelo impacto de pregos gigantescos, em cada abertura, uma residência e, em cada residência, uma família, treinada e com os olhos atentos aos padrões e suas mudanças. Além das cavernas domiciliares, repletas de inscrições e grafias por todos desconhecidas, além de lagos subterrâneos excessivamente ácidos, contaminados pelas misteriosas ejeções de Gatazka, as Autoridades a esperavam. E por ela, as notícias detalhadas dos avistamentos das esferas, vindas em quantidade do céu nordeste.

Quando ela chegou, nutrindo narizes com seu aroma único e com novidades de suas aventuras de meses, houve alegria e reconhecimento público pelas Autoridades: Pois sua carne estava salva e, com ela, todas as substâncias químicas tão necessárias para que 1-618 continuasse existindo e protegendo a todos com multiplicação, conhecimento e ordem."

(Domínios de 1-618, p. 16)

Ritdjo

Ritdjo

"(...) Eis que, durante o processo de impressão, surgiu diferente dos demais. Diferente “por dentro”, pensava por si. Podia refletir em solidão, ignorar a Comunhão. Sem nome, se chamava Ritdjo, pois tinha certeza se tratar de uma manifestação orgânica de seu socialmente diluído orientador supremo. Um milagre que guardava exclusivamente para si. Sem que disso soubessem, foi a criatura destacada para a operação de superfície, onde deveria cumprir com o importante programa de desativação da fonte dos terríveis e certeiros ataques energéticos.

Era um ser único. Tinha certeza. Não obstante, conseguia desmentir, clone que era, qualquer um que lhes colocassem os olhos, em seus traços idênticos e sem pelos, em coletivo e profundo silêncio amparado por vazios olhos ambarinos (mas que eram capazes de partilhar, em facetas, os distintos pontos de vista da realidade conjunta, um pouco abaixo do ultravioleta e um pouco acima do infravermelho). Por isso havia sobrevivido ao controle de qualidade da infância, quando erros como o que trazia em seu encéfalo eram identificados e, portadores, enviados para eliminação automática. No entanto, como não era um erro, pensava, era Ritdjo, ultrapassou todas as etapas que separavam o acolhedor ventre da MãeDeTodos, da escolha por serviço entre os Mlitki.

Como os demais entes de Ritdjo em Mlitki, ansiava pela vitória, do posto de combate que perdurava há anos, na equilibrada balança de forças entre os entes de Ritdjo e os de /Y pela identificação das exatas posições e composições químicas dos últimos, por isso, mais perfeitos vergéis."

(Erro em Clone, p. 92-93)

~

"~"

"A formação agia e reagia conforme um único organismo, todas as trinta e duas, vindas da boca aberta da gigantesca cabeça feminina de cento e sessenta metros de altura.

Voavam acima das ondas do negro Oceano Atlo’nt, onde a gigantesca estátua sentada de seiscentos e quarenta metros de altura lhes servia de lar submerso. Cada dama especializada em identificar os elementos considerados imprescindíveis à vida futura em “~”. Todas sabiam suas responsabilidades, todas dividiam os espólios de suas investidas assaltantes, pois meditavam uma longa celebração de busca por certos componentes a serem obtidos por caça, componentes que as Supermadres usavam para manutenção de “~”: informação genética.

(...)

Cintilamentos violáceos se misturarem ao pó das fraturas e ao arremesso de hélices, placas e cacos, que caíram distantes em muitas direções. Assim, partido ao meio o veículo, seus intestinos de cabos e peças espalharam-se no solo abaixo. Incapaz de sustentar sua flutuação por repressão atmosférica, gritando e rosnando, a proa apontou rumo ao chão árido como um arremedo de arca inclinada. Ouviu-se um baque ensurdecedor... A popa ergueu-se ainda mais, alguns metros, para, em seguida, misturar-se aos destroços que antes compunham uma única coisa."

(Areoni interrompida, p. 205-207)