Idiossincrasias: Trezena

Antologia de Ficção Científica

Trezena é a primeira antologia de contos de ficção científica da série Idiossincrasias. A coletânea surgiu da organização original de textos independentes que contemplam temas notórios da sf universal, convidando o leitor a refletir sobre como seus personagens reagem aos ambientes nos quais, ciência e tecnologia, são as normas para exotismos conceituais. Em Trezena, portanto, os assuntos tratados não servem somente como pano de fundo para desenvolvimento das ações de protagonistas e antagonistas, mas especialmente, são as condicionais hipotéticas que fazem o leitor indagar o que há além daquela fatia de realidade apresentada. Em Trezena, os contos são exercícios de indagação.

Narrativa

As narrativas partem de uma relação metalinguistica com o Prólogo, o que é uma regra para as demais antologias da série: o recurso serve para construir uma sequência de paisagens que se abrem como em uma ampla janela emoldurada de conexões, aguardando para ser aberta e invadida pela imaginação visual dos leitores. Se verdades ou mentiras, como antecipado pelos especialistas do primeiro fragmento, cabe ao leitor decidir, pois tudo que há já existe. Resta-nos saber quando.

O trio sentou-se no piso iluminado, ritualisticamente, diante dos treze documentos que deveriam ser investigados por suas perícias e competências. O primeiro diria se eram os documentos verídicos, o segundo diria se eram os documentos críveis e o terceiro nada diria de imediato, mas daria o termo ao final de sua ponderação profunda. O objetivo era aferir em que limites a informação presente poderia ser considerada conhecimento. Ou mais especificamente para fins de registro, em que ponto poderia ser situado suas ancestrais mensagens fato, e não ilusão. Todo o denso pesar dos investigadores, atentos ao tempo e ao espaço que diante deles se abria em horizonte, era deferir o que lhes era fornecido como dados antigos, definindo-os como história ou mito.

E depois de nove mil e novecentos anos de tradição narrativa humana e transumana, gastos todos os recursos de resolução evolutiva e lógica tecnológica, não era o empenho tarefa das mais simples. Por isso estavam reunidos diante da trezena: algo precisava ser pensado e proclamado sobre a coleção ali presente ao final do encontro e isso era a tarefa que lhes caberia pelo intervalo seguinte, quantocius, a começar com...

Autor

Guilherme Xavier

Guilherme Xavier (Guix) é o especialista em jogos e ficção científica responsável pela iniciativa neolabore. Friburguense de 1978 e cidadão niteroiense honorário desde 1997, investiga e trabalha com experiências interativas e narrativas no emocionante hibridismo academia-mercado. Magnificamente casado, é o papai gamer de Gabix e Igor, os incríveis gêmeos com um ano terrestre de diferença. Quando perguntado sobre a vida, respondeu: "Bem, se fosse outro não seria eu... Penso, logo me preocupo."


5

"Gaiares aumentou o volume com o controle remoto ao reconhecer as imagens do subúrbio:
- ... Um chinês foi preso durante a madrugada por oficiais da EPC, após esquartejar a golpes de espada um casal de jovens, no subúrbio. Desde janeiro do ano passado, esse é o quinto caso de cronovariância com vítimas fatais... Faber Googol, do quadro de diretores da EPC, informou que providencias estão sendo tomadas para que novos acidentes como esse não ocorram novamente. O porta-voz da EPC garantiu que o chinês será julgado pelos crimes em tribunal especial. O incidente alimentou a disputa entre a EPC e pró-ativistas da extinta CAET pelo controle dos cronovariáveis. Manifestações estão sendo organizadas em todo o país para que o governo tome medidas para..."

(Eles estão compilando, p. 136)

10

"Borcion tentou mexer o dedo, mas o mesmo parecia ter ficado preso.
- Não consigo mover meu dedo!
- Como?
- Meu dedo! Está preso nessa massa...
- Por Sauska, aconteceu de novo... Eu mesmo perdi uns três pares de mãos quando essa coisa solidifica. – e olhando envolta na busca do que culpar - Deve ser alguma impureza no ar da ilha que petrifica o composto de um segundo para o outro. Esses esporos... Vou ter de cortar seu dedo, Klautech...
Borcion ficou desesperado porque não queria perder o dedo indicador de modo tão idiota. Poderia fazê-lo crescer de novo depois, mas o fato médico-genético não vinha ao caso.
- Cortar? Não tem como amolecer ou dissolver isso?
- Tetrazílitro-Rilico-Polisoprenóide? Huehuehue! Não dá para amolecer ou dissolver depois de endurecido. Porque acha que os militares usam essa espuma em suas estruturas de moradia? Placas dessa coisa suportam tiros de energia de muitos Terawatts... Espere aqui...
Plas desceu e voltou com uma estranha ferramenta."

(Todos querem, mas nem todos podem ter, p. 237)

2

"- Boa noite, General Mitlev. É este o zek solicitado?
O velho veterano de várias guerras, sempre protegido por sua capa de pesado tecido, perguntou com firmeza:
- Trata-se de Leon Zapen?
- Sim, é ele.
- Então, soldado, é este quem procuro.
E sem dizer mais nada, os que acompanhavam o General e ele próprio, escoltaram o prisioneiro para o interior do veículo voador. Enquanto a aeronave erguia-se no ar com ruído, um disparo para o alto de uma pistola P225 desvanecia as dúvidas no interior da cabana de número sete.
Lá dentro, encolhido contra a parede, o padre Olaf chorava..."

(Zarza, p. 56)